Me lembro bem quando minha terapeuta iniciou um movimento no nosso grupo para identificar os “talentos”. Era início de 2015.
Ela perguntava: O que faz você vibrar? O que você continuaria fazendo mesmo se não recebesse por isso? O que faz você perder a noção do tempo quando está fazendo?
Essas perguntas ficaram ecoando em mim e fui me observando. Um certo dia, percebi que eu A-DO-RA-VA quando as amigas do trabalho se abriam pra mim sobre as questões dolorosas de sua vida. Meus neurônios já começavam a se agitar para achar a relação lógica das coisas a partir do que eu já sabia sobre autoconhecimento e padrões emocionais.
Daí levei essa resposta pra ela e, ousada que sou, levei junto uma proposta: “Eu descobri que adoro ouvir o problema das pessoas. Acho que meu talento é ser terapeuta. Quero ser como você. Você me ensina?” Ela me ouviu com o coração. Ela, que já havia recebido pedidos como esse antes e também tinha suas próprias questões em compartilhar o que sabia, sentiu que era chegada a hora. Formamos uma turma. E comecei a aprender.
A cada encontro eu ia vibrante, super animada. Devorei os conteúdos, aprendi as técnicas e fui ficando alvoroçada para começar a aplicar
Fui impulsionada: arrume voluntários. Passei óleo de peroba na cara e chamei no facebook quem queria ser meu voluntário.
Precisava de 6 pessoas (diante da minha disponibilidade de tempo). Consegui uma lista de 15.
Iniciei os atendimentos gratuitos e todos sabiam que eu estava me experimentando.
Depois de 6 meses atendendo dessa forma, pedi para todos os meus voluntários responderem a um questionário me apontando no que eu podia melhorar. Eu só recebi elogios. Alguns disseram que avançaram comigo o que não conseguiram avançar por anos na terapia convencional. Também perguntei para cada um deles quem topava continuar a jornada contribuindo com 50 reais o valor da sessão.
Cobrar por algo que me trazia tanto prazer foi um grande desafio a ser vencido por mim. E sei que muitos terapeutas passam por isso. Afinal, “quem iria pagar por esse meu serviço?”. A valorização do serviço que eu estava oferecendo foi um processo que eu também precisei aprender. Afinal, autovalorização era uma coisa que faltava pra essa menina tão insegura em tantas áreas da vida.
Subloquei uma sala e fiz atendimentos a esse preço simbólico por mais de 1 ano até que eu tive confiança suficiente do quanto aquele trabalho estava realmente ajudando a mudar a vida das pessoas.
A grande pérola dos ensinamentos passados pela minha mestra, no entanto, não residiu no conhecimento da teoria e da prática.
Ela me ensinou que quanto mais eu cavasse fundo dentro de mim, mais eu estaria apta a acompanhar o outro em suas profundezas.
Eu, que já caminhava com muita sede de libertação interior, consegui um motivo a mais para investir mais de mim para essa transformação.
A essa altura do campeonato, eu já achava que esse trabalho era o meu “propósito de vida”. Mais tarde essa certeza foi questionada algumas vezes e hoje não sei a resposta.
Porém, pude perceber que todos os processos de purificação que pude viver me transformavam não só em uma pessoa melhor, mas numa terapeuta melhor.
🌸Quando encontrei em mim a dor do desamparo, tão lancinante, pude perceber o quanto desamparava a mim e ao outro. Aprendi o amparo. Ser terapeuta é amparar. 🌸Quando vivi a dor da desvalorização, pude ver o quanto não valorizava a mim mesma e ao próximo. Aprendi a dar valor. Ser terapeuta é valorizar o outro, a vida, sua dor, o serviço. 🌸Quando vivi a dor da traição, pude descobri o quanto não era leal a mim mesma, aos meus princípios e o quanto fugia do compromisso. Aprendi a ser leal. Ser terapeuta é ser leal com os clientes. 🌸Quando vivi a dor da impotência, pude ver que não estou no controle de nada e aprendi a soltar e liberar. Ser terapeuta é permitir o movimento do outro, sem forçar nenhum resultado. 🌸Quando vivi a dor da rejeição, pude ver o quanto ainda me rejeitava e aprendi a estar comigo. Ser terapeuta é permitir que o outro venha e se vá, na hora que ele quiser. 🌸Quando vivi a dor do desrespeito, pude encontrar onde e quando eu desrespeitava a mim e ao outro. Aprendi o respeito. Ser terapeuta é respeitar a história, o desejo, a escolha de cada um. Sem julgar. 🌸Quando me tornei mãe, percebi mais claramente que cada fase tem seu tempo de amadurecimento e aprendi a ser paciente. Ser terapeuta é observar a crescimento do outro e aguardar pacientemente. 🌸Quando vivi a conexão que tenho com minha filha, aprendi a silenciar e escutar cada vez mais claramente minha intuição. Ser terapeuta é se conectar com o outro e se deixar ser guiado por algo maior. 🌸Minha filha é muito delicada e me mostra, desde sempre, que para dar remédio a ela, limpar seu nariz ou trocar roupa, preciso de muita delicadeza. Aprendi a ser delicada e cuidadosa. Ser terapeuta é tocar junto com muita delicadeza a dor do outro.
E assim vou vivendo. Cada dia um aprendizado, cada dia uma transformação. E tudo sempre me leva a ser uma terapeuta melhor.
Por isso, mais do que estudos, certificados e afins, que fazem parte do jogo, o que torna um terapeuta cada vez mais capaz, é essa profundidade cavada em si, para poder conduzir o outro com muito amor a esses redutos profundos em si.